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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010


Prisões Invisíveis

"Só é verdadeiramente livre quem não teme o ridículo"

Devia ter por volta de uns 10 anos de idade. Havia um conhecido da família que tinha uma carroça e a usava para buscar várias coisas, talvez fizesse frete. Esse conhecido carroceiro passava - e ainda passa (ou não passa mais?) - com certa frequência pelo minha rua.

Certo dia estava eu com alguns amigos, todos entre a infância e a adolescência, brincando pela rua, quando passou o carroceiro e nos convidou para irmos com ele.

Assim fomos do nosso bairro ao bairro vizinho, passando por uma "estrada de chão" (agora asfaltada). Não lembro quantas vezes andei de carroça, mas desse passeio me lembro. A sensação era boa, o imprevisível balanço era divertido e inspirava a bagunça da guriada.

É gostoso passear de carroça. A baixa velocidade e os sacolejos lembra um trem. De cima da carroça eu contemplava a paisagem como alguém a contemplaria da janela de um vagão.

Entre todas as óbvias diferenças entre um trem e uma carroça, há uma fundamental, uma que talvez passe despercebida, mas que impede que as pessoas curtam um passeio de carroça: elas sentem vergonha de andar em uma.

Largue o seu carro e vá passear de carroça pela cidade. Não de charrete ou carruagem londrina, mas com uma prosaica carroça brasileira, aquela de madeira e pneus de carro. Observe seus conhecidos olharem espantados para você; os homens o comprimentando com um aceno indeciso e as mulheres com um amarelo sorriso forçado. Duvido muito que você passearia expontaneamente de carroça por aí, sem ser devido à alguma aposta ou brincadeira.

Todas as pessoas, muito possivelmente, adorariam passear de carroça... se fossem crianças! Mas elas crescem e ficam aprisionadas por estranhas convenções sociais, prisões invisíveis que nos impedem de fazer algo do que gostamos por sabermos que as outras pessoas irão achar inapropriado porque... por que mesmo?

Lembro de uma marca de sandálias que virou moda nos anos 90. Era cara, pesada e dava chulé. A marca concorrente, antes usada por quase todos, era mais barata e prática - e não dava chulé! Mas a marca chique, alavancada por comerciais insistentes (e um slogam enganador, na minha opinião) se impôs e as pessoas começaram a usá-la quase como símbolo de status (disfarçava a pobreza). A marca mais simples ficou brega, coisa de pobre.

Contudo, a marca do modelo mais simples reagiu. Passou a usar pessoas famosas em seus comerciais para tirar o estigma de "coisa de pobre" do seu produto. A sandália simples voltou a ser prestigiada e a chique foi para o esquecimento.

O que ocorreria se muitas pessoas famosas passassem a andar de carroças? Não duvido que passaria a ser algo socialmente aceito, algo "cool". A prisão invisível seria arrombada e todos estariam livres para passear alegremente de carroça nos finais de semana; talvez ir fazer compras!

Assim somos, sempre precisando do herói do dia para nos libertar de algo que nem sequer pode ser tocado.

Já fui o "herói do dia". Quando visitei o Cristo Redentor, fui o primeiro (daquele dia) a tirar fotos dos amigos de um jeito inusitado (não tanto para mim): eu deitava para que a pessoa fosse fotografada de baixo para cima, com o Cristo e seus braços sobre ela. Uma menina do grupo me criticou (vivia me criticando, rsrs), dando a entender que eu era um bobão por estar fazendo aquilo. Ela estava em sua prisão invisível. Porém, logo vários outros membros do meu grupo vieram pra tirar a foto daquele jeito. A menina que tinha me criticado não resistiu e veio me pedir pra tirar uma foto "idiota", mas que agora parecia tão interessante. Assim que acabei minha sessão de fotos "idiotas", pude ver vários turistas fazendo a mesma coisa.

A coisa não é tão fácil. As prisões invisíveis são muitas. É impossível nos livrarmos de todas, mas podemos tentar escapar de várias delas ;)

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PS: não me convide pra andar de carroça :D

2 comentários:

  1. HEHE vou me lembrar de quando ir no Rio tirar foto assim, nunca andei de carroça, mas já andei de fusca, kombi, carros antigos e visívelmente detonados...rs realmente as pessoas tem vergonha e ficam olhando, comentando, rindo, já fiz várias vezes e faria ainda, aprendi a não ligar mais pra essas coisas, mesmo que a maioria diga "isso é estúpido"

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