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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011


UM GATO A MAIS, UM REMORSO A MENOS

Nossa mente é um depósito de lembranças ruins: frustrações, humilhações, rejeições, micos e tantas outras coisas que gostaríamos de esquecer de vez, como se nunca tivessem acontecido ou que tenha sido com outra pessoa. Contudo, vez ou outra, lembranças desagradáveis pipocam na mente, aparentemente do nada. Às vezes as imagens não nos causam nenhum abalo, vem e vão, mas muitas vezes causam um certo desconforto, arrependimento e até uma curiosa vergonha reincidente.

Aconteceu comigo há uns dias, enquanto tomava banho...

Não lembro da minha idade na época. Quero (e quero mesmo) acreditar que estava com no máximo 14 anos. Preciso disso pra conceder a mim mesmo um atenuante. Vivendo minha adolescência nos anos 80, ainda não havia sido acometido pela forte consciência ambientalista e de proteção dos animais. Naqueles dias não era algo execrável ir caçar de estilingue (conhecida por nós como "setra") e voltar com a cintura rodeada com vários passarinhos pendurados, como fazia um amigo meu, muito bom de pontaria. Amarrar bombinhas no rabo dos bichinhos também não era um crime hediondo, apenas um travessa maldade de adolescentes desocupados nas férias (apesar de nunca ter feito isso. Preferia por bombinhas dentro de latas de neston para vê-las voando).

Com essa mentalidade meio "ecopata" resolvi dar um jeito em alguns gatos que infestavam a vizinhança (há bem menos gatos agora. O que houve com eles?). Estava sozinho em casa. Era apenas eu contra os gatos invasores. Havia dois que sempre estavam pelo terreno, tentando comer os passarinhos do meu padrasto e invadindo a cozinha. Havia chegado a hora deles!

Peguei uma caixa de madeira desocupada, uma vareta, uma corda e um pouco de linguiça. Não é preciso fazer um desenho para explicar a armadilha. A vareta sustentaria uma das pontas da caixa, posta de cabeça pra baixo, com espaço suficiente para um gato entrar e comer a linguiça. Uma cordinha amarrada na vareta, um puxão e... tcharamm! Gato preso.

Mas não era só isso. Eu realmente queria me livrar dos gatos. Eram meus inimigos! Dei um toque de sadismo capaz de encher de orgulho um inquisidor da Idade Média: botei pregos por dentro da caixa e um peso (um tijolo ou uma pedra) em cima da caixa. Assim, não seria apenas "um puxão e... tcharamm! Gato preso", mas gato muito machucado e, em seguida, morto (nem quero tentar lembrar em como pensei em terminar o serviço).

Mas, algo deu errado...

Preparei tudo e fui me esconder com a cordinha na mão. O gato veio. O gato entrou. Puxei a cordinha no momento certo, mas a armadilha não desarmou! Devo ter dado mais uma ou duas puxadas na corda e nada da armadilha funcionar. A vareta não se mexeu! O gato se assustou como os movimentos da corda e fugiu (acho que com um belo pedaço de linguiça).

Fui ver o que tinha dado de errado. Realmente não deu pra entender como a vareta continuou no lugar. Aconteceu que a ponta de baixo da vareta ficou em uma das imperfeições do piso de cimento o que, juntamente com o peso sobre a caixa, a travou. Se a corda tivesse sido amarrada na ponta de cima as coisas teriam ocorrido "bem". Mas, graças aos acasos da vida, amarrei na parte de baixo e lá estava a imperfeição do piso escorando a bendita vareta. Durante o tempo em que fiquei analisando o problema e em como evitar outra falha, acabei desistindo da idéia e abortei a missão.

Na época foi um pouco frustrante (e impressionante o fato da vareta resistir às puxadas), porém, no dia em que essa lembrança me veio à mente fiquei satisfeito por algo ter dado errado e o gato ter escapado. Um remorso a menos em minha vida.

Ainda tenho muitos, mas espero não mais lembrar deles :)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011


EU, COBAIA

Se não fosse quem fosse, eu não desperdiçaria um byte falando dele e o descartaria como mais um maluco, um charlatão vendedor de ilusões, mas Ray Kurzweil passa longe disso e é uma das mentes mais brilhantes e prolificamente pragmáticas do nosso tempo.

Cientista, futurista, inventor, empresário, palestrante e escritor multimilionário, Kurzweil tomou para sua vida um objetivo mítico: não morrer de velhice (ou não morrer de qualquer modo, pelo que li).

Segue uma dieta rigorosa (com a qual alega ter controlado sua diabete), toma centenas de pílulas de suplementos diariamente, injeta nutrientes diretamente na veia toda semana, faz acupultura, pratica exercícios moderados, gerencia suas emoções como um monge budista, usa cremes para a pele, faz todo o tipo de exame regularmente pra previnir qualquer doença e modifica sua estratégia de acordo com as mais novas descobertas da medicina.

Seu livro, A Medicina da Imortalidade, detalha os meios para que se "viva o suficiente para viver para sempre". Li o livro e é extremamente complexo e bem fundamentado cientificamente, por isso mesmo não podemos descartar Kurzweil como mais um bobo sonhador.

No livro supracitado, lançado quando tinha 56 anos, Kurzweil diz que um teste o avaliou como tendo idade biológica de 40 anos (p. 162). E sua meta é não passar de 40! Não sei se ainda mantém isso, agora que fará 63 em Feveiro próximo (talvez diga que tenha 41 anos e meio?), o fato é que, olhando para ele, não é o que parece. Eu faço 40 anos em Março e, modéstia à parte, duvido que alguém iria achar que fomos amigos na infância. Para mim, ele parece apenas um sessentão bem conservado (com tanto dinheiro e tantos cuidados!), o que me faz ficar com os dois pés atrás quanto à eficácia do seu método para a eterna juventude.

Contudo, segundo o próprio Kurzweil, não podemos nos orientar pelo o que vemos no presente. Ele defende que a progressão do conhecimento humano é exponencial e espera ter recursos tecnológicos, que irão muito além da mera suplementação, para efetivamente reverter o envelhecimento por volta de 2040, quando então terá cerca de 90 anos de vida e pretende estar mais novo (veja sua entrevista no programa Millenium, no site da Globo News). Por volta dessa data, segundo ele, teremos um amplo arsenal para combater e mesmo curar a decrepitude de nossos corpos e mentes. Terapias genéticas, novas drogas, nanotecnologia e células tronco serão a fonte da eterna juventude.

Tudo isso faz de Kurzweil uma voluntária e feliz cobaia humana. Os mais jovens poderão acompanhar os resultados dos seus esforços e previsões (algumas já erradas). Com 80 anos (se chegar a tanto) os sinais da velhice são indisfarçáveis e, então, teremos uma boa noção se as coisas estão ocorrendo conforme o esperado. Devido às complexidades do corpo humano e das tantas variáveis envolvidas, duvido muito disso e penso que Kurzweil seguirá o destino dos seus antepassados (apesar de querer ressuscitar seu pai!), talvez com alguns anos a mais de vida graças a tantos cuidados com a saúde.

Mas aí está algo sobre o qual ficarei muito feliz em estar errado :D